quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Não escute seu médico

Para compreender com mais detalhes o que quero dizer com essa mensagem, seria necessário a leitura de duas obras do grande Nassim Taleb - "A Lógica do Cisne Negro" e, principalmente, "O Antifrágil".

Aliás, recomendo a leitura dessas obras para qualquer indivíduo, corredor ou não - Taleb é na minha humilde opinião o grande filósofo contemporâneo e escreve conhecimento útil para a vida, independente do assunto de interesse.

Pois bem - aqui quero contar de um caso específico que me ocorreu nos últimos dias. Aconteceu também outras vezes, de maneira semelhante. Poderia escrever sobre o fato de ter feito o Ironman sem suplementação (apenas isotônico) - coisa que muitos "especialistas" diriam ser impossível. 
Ou poderia escrever sobre o fato de ter voltado a correr cinco dias após uma torção feia de tornozelo (imagine daquelas onde após cair você não consegue andar e precisa ir ao hospital imobilizar). O médico que me atendeu diria ser utopia. Ele tinha me falado em 10 dias de atestado médico, 30 de "repouso para o tornozelo". 60 para voltar a correr. No dia seguinte estava trabalhando. Cinco dias depois correndo. Em 10 estava fazendo treinos intervalados. 60 dias depois corria um 10 km em 34:00 em treino. Desnecessário dizer que fiz "Zero" das muitas sessões de fisioterapia as quais eram "fundamentais para minha recuperação". 

Pois bem - essa semana passei por mais uma pérola médica.

Na quarta-feira passada fui diagnosticado com "Catapora". Não havia como contestar. A febre dos dois dias anteriores (em um deles corri sem maiores problemas) e as pintas que não paravam de surgir pelo corpo não deixavam dúvidas.

Fiquei surpreso ao ouvir da médica o tratamento: 20 comprimidos por dia de um antiviral durante 7 dias (total de 140 comprimidos!!) que é recomendado no tratamento de pessoas com alguma virose e a imunidade muito baixa (como por exemplo pessoas com AIDS). Como sou muito legal a médica escapou da possibilidade de ser processada (outros médicos com quem falei posteriormente disseram ser um completo absurdo o tratamento prescrito, ou uma insanidade como a médica do trabalho bem me definiu hoje).

É claro que não fiz tratamento nenhum.

E é claro que estava inscrito em uma meia-maratona desafiadora em Florianópolis no Domingo, quatro dias depois de ser diagnosticado com catapora. Não uma meia-maratona qualquer. Uma com "ida e volta" de um morro conhecido como "morro maldito". 21 quilômetros que valeram por 35. Talvez seja mais fácil descrever assim. 

Questionei a médica se poderia correr. É claro que ela me disse um sonoro "não", meio irônico, seguido de um "nem que pudesses irias conseguir, estarás muito cansado". Ao ouvir isso já fiquei mais tranquilo. A nossa incapacidade de prever o futuro nos faz cometer absurdos diariamente - e assim a médica me disse com segurança como eu estaria me sentindo no domingo. Cinco minutos depois de me conhecer. E com base em um exame de sangue.

O resultado foi um pouco diferente do que a médica pensou.
Acordei me sentindo ótimo no domingo.
Diz ela que eu não poderia pegar sol: foi praticamente o dia que inaugurou o verão. Céu Azul e sol queimando. A largada ainda atrasou 45 minutos para ajudar.
Quatro dias depois da catapora, e eu estava lá, ocupando o terceiro lugar geral nos primeiros quilômetros.

Admito que fiquei bem cansado, mais que o normal. O óbvio é atribuir à catapora. Eu prefiro atribuir ao fato que ando treinando muito no plano e praticamente nada em morros. 

Acabei terminando em quinto no geral.

Se tive algum efeito colateral? Sim, os mesmos que qualquer pessoa tem ao correr 21 quilômetros em uma prova cheia de subidas debaixo do sol. Estava morto domingo à tarde. Dolorido na segunda e na terça feira. E foi isso.

Escrevo esse texto na quinta-feira, 8 dias após o diagnóstico. Segundo a médica, hoje era o dia que eu teria levantado da cama. Provavelmente seria mesmo, se tivesse tomado a quantidade absurda de remédios que ela prescreveu.

É óbvio que tenho vontade de voltar à médica e contar. Mas a vontade passa em 5 segundos. Eu tenho certeza que ela atribuiria isso a uma irresponsabilidade da minha parte. Que se recusaria a acreditar que eu fiquei absolutamente normal depois de correr a tal prova. E continuaria prescrevendo o mesmo tratamento ao paciente seguinte.

Mas eu ainda posso escrever para você, que está lendo esse blog, e quem sabe levá-lo a refletir: o quanto você já deixou de viver por recomendação de um médico que praticamente nada sabe sobre você, e é acostumado a prescrever tratamentos baseado em padrões que podem nada ter a ver com a sua realidade como indivíduo?

Acredite na capacidade de auto-recuperação de seu corpo.

Desconfie de remédios.

E não deixe de ir ao médico. Pode parecer paradoxal. Mas não deixe de ir, principalmente quando estiver bem e sem nenhum sintoma. Porque quando o sintoma estiver evidente, você NORMALMENTE tem muito mais informação que o médico para julgar como está se sentindo.

No último domingo, eu corri 21 quilômetros quatro dias depois da mesma pessoa que me recomendou 140 compromidos dizer que era impossível.

Desconfio que o médico do tornozelo acha que estou voltando a andar por essa época.


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