domingo, 30 de novembro de 2014

O grande crime de Sophie Hannah

Minha última postagem foi sobre música e essa será sobre livros. Embora ultimamente o blog esteja mais "pensamentos" que "passadas", os treinos prosseguem a todo vapor, e em breve escreverei como está meu planejamento para 2015.

Entretanto, o motivo para esses "pensamentos" são bem especiais. A última foi devido à vinda para o Brasil do Smashing Pumpkins no festival Lolapalooza, e agora escrevo uma análise do livro de Sophie Hannah, chamado "Os Crimes do Monograma", marketizado como o retorno do detetive Hercule Poirot, de Agatha Christie, e lançado com autorização da família dela.

Acontece que Agatha Christie é minha escritora favorita, a qual cresci lendo desde a adolescência, e permaneço lendo até hoje (+ de 80 obras no total), e Hercule Poirot o seu personagem mais conhecido e atuante. A questão é que Agatha Christie, que aliás vendeu livros na casa dos bilhões (apenas menos que a Bíblia e Shakeaspeare) morreu em 1976, e um ano antes, lançou sua última obra, na qual põe fim aos trabalhos de seu principal detetive.

Quase 40 anos se passaram, e Sophie Hannah resolveu pegar emprestado o nome Agatha Christie e seu detetive para lançar uma nova aventura, com autorização da família da "Rainha do Crime". Imagino que a família tenha aproveitado a oportunidade para fazer um bom dinheiro, uma vez que o lançamento chama a atenção do mercado editorial no mundo, que inclusive garantiu mais um relançamento de várias obras da Agatha Christie no mundo (e no Brasil não foi diferente). Se ela aprovaria o retorno de seu personagem, suspeito que não - e provavelmente aprovaria menos ainda a capa do livro, onde está claro que busca-se persuadir o leitor (a outra edição é ainda pior) a comprar o livro como um "Agatha Christie", sendo que a autora infelizmente se foi em 1976.

Além desse contexto, resta-se saber se o retorno, ético ou não, foi ao menos digno. E a resposta, por esse humilde fã que se dispôs a ler simplesmente todas as aventuras de Hercule Poirot, é um retumbante "NÃO". O grande crime de Sophie Hannah não são os do monograma que intitulam a obra, mas caracterizar tão mal um personagem tão carismático e clássico como Hercule Poirot.


Aliás, deixe-me dizer de antemão: recuso-me a aceitar que esse é o mesmo Poirot das história da Agatha. Porque não é. É um detetive de mesmo nome, mas não o mesmo Hercule Poirot. Está claro, desde o primeiro capítulo, que algo não está certo com o Poirot de Sophie Hannah. Este é um detetive besta, mesquinho, que toda hora conta vantagem e distribui frases auto-promocionais e soberbas aos outros personagens do livro, coisa que o Poirot original fazia de forma muito mais sutil e humilde.

O Poirot de Hannah também tem, estranhamente, poderes psíquicos. Ele não apenas é muito inteligente: ele simplesmente sabe. Agatha Christie criou um personagem genial muito porque conseguiu convencer na caracterização de um detetive extremamente inteligente, mas que mantinha a lógica dos fatos, dando condição ao leitor de montar o quebra-cabeça da história. O Poirot de Hannah, já nos primeiros capítulos, faz uma suposição absurda que não convence e que norteia todo o resto da história. Como era de se esperar, ele estava certo, mas o estar certo não fazia sentido algum. Por isso o "ele simplesmente sabe". Além de chato, o Poirot de Hannah é sobrehumano e prevê o futuro. É também um exagerado. Percebe-se nuances do Poirot original, mas essas nuances logo se perdem e não conseguem manter a originalidade. Tem-se um personagem forçado e cheio de exageros.

Sophie Hannah resolveu inovar e criar um novo personagem, um policial da Scotland Yard, chamado "Catchpool", que é a sua versão para o "Hastings", o fiel companheiro de Poirot. Acontece que Catchpool é irritante e totalmente dispensável para a história. É um personagem vazio e pouco trabalhado. Cheguei ao final do livro sem entender porque ele estava ali.

Quanto a história em si. Ela é boa em muitos momentos, o suspense se mantém firme do início ao fim, e aquela característica presente nas obras de Agatha Christie, de se querer "devorar" o livro para se chegar rápido à solução do mistério, permanece presente. Infelizmente, na ânsia de fazer jus à autora, Sophie Hannah perdeu a simplicidade dos crimes de Agatha. O que se vê é uma obra complexa e com um assassinato mais macabro, que dificilmente viria das mãos da Rainha do Crime.

Concluindo, os Crimes do Monograma não seria um livro ruim se não se dispusesse a ser um Agatha Christie, coisa que não é, e se o detetive do livro tivesse outro nome que não o de Hercule Poirot. Como um Sophie Hannah, é um livro nota 6, que garante horas de boa leitura e convence em alguns momentos. Como um Agatha Christie, é um livro nota 2, que não faz jus à memória da autora e que certamente faz seus fãs lamentarem o mau uso de seu personagem.

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