domingo, 19 de outubro de 2014

Mensagem de um "coxinha elite branca" (sem muito dinheiro e com um pezinho na África)

Nesses últimos anos ouvi e li, na imprensa e fora dela, nas redes sociais e no dia a dia, cara a cara ou virtualmente, o "elite branca", o "coxinha" e seus derivados. Fui me sentindo crescentemente desconfortável - o "elite branca" parecia me servir, mesmo eu estando longe da "elite" e o adjetivo "branco" me ser no mínimo forçado. Sou um dos milhões de brasileiros que trabalha 40 horas por semana, faz hora extra, vive de aluguel (e gasta 30% de sua renda nele) e possui como único bem um carro 1.0 sem ar condicionado. Minha mãe trabalhou quase três décadas como funcionária pública, meu pai, hoje próximo dos 60, tem mais alguns bons anos antes da aposentadoria na iniciativa privada. Não acumularam muitos bens. Mas a questão aqui não é a auto-vitimização, até porque essa não costuma ser uma característica dos que aqui defendo. Fosse eu muito rico e branco estilo escandinávia, e a essência desse texto seria a mesma. Essa descrição serve para destacar que, surpreendentemente, o "elite branca" também é dirigido a mim, ainda que eu e minha família estejamos muito longe da "elite" e eu seja, digamos, bem mais escuro que o "branco". 

O "elite branca", o "coxinha" e tantos outros têm sido despejados não para denotar uma situação de relativo privilégio de uma classe social, mas para diferenciar a maneira como essa "elite branca" se posiciona em relação às desigualdades estruturais do Brasil. Existe uma turma - a que luta pelas justiças sociais, vota no PT e no PSOL - e outra, a "elite branca", aquela que, independente de ser elite ou de ser branca (aproveitam-se os termos para cutucada em ambos), faz parte da turma que não quer saber de justiça social, que quer acumular bens, focar no individualismo e no conservadorismo, uma direita do mal e preconceituosa.

Eu nunca fiz militância por nenhum partido político. Minha posição política é votar naquelas que enfatizam a lógica e não escondem os fatos. Abomino o fanatismo, porque o fanatismo faz até com que os mais inteligentes invertam a lógica.

É justamente essa inversão de lógica que me despertou nessas eleições algo que eu nunca senti antes. Comecei a perceber, vindo daqueles com uma visão política pró-governista, cada vez mais acusações de "coxinha", "elite", "branco", "rico". Os mesmos que estão preparados para apontar o mais duro dos dedos a qualquer menção de preconceito. Os mesmos que - se eu me apropriasse dos termos "plebe preta" e os saísse distribuindo, fariam campanha para que eu fosse para a cadeia. "Um monstro preconceituoso", diriam. Os mesmos que apedrejaram a casa da gremista do caso Aranha. Que fizeram manifestação contra Levi Fidélix e suas declarações. Coxinha. Elite branca. Jamais pararam para pensar que "plebe preta" tem exatamente o mesmo sentido de "elite branca". São capazes de jurar que não. Chamam de preconceito dos outros (e muitas vezes com razão), porém se esquecem de perceber que descarregam o mesmo tipo de atitude por aí.

Na ilusão da esquerda, posicionar-se em discurso e em voto a favor da "justiça social" (ou seja, no PT e no PSOL, para falar apenas dos mais representativos) lhes concede o direito de serem preconceituosos, enquanto atuam como verdadeiros guardiões do fim do preconceito. É principalmente por isso que votarei contra o PT nessas eleições.  O PT enfatizou e promoveu essa ideologia de divisão por meio de discursos, tantas vezes infelizes, do ex-presidente da República. Na reação lamentável a já muito infeliz atuação de grupos de torcedores na Copa. Na voz de militantes capazes de balançarem afirmativamente a cabeça para qualquer ordem vinda de um partido que tem razão em qualquer situação.

Não voto necessariamente a favor do PSDB, porque votaria na Marina, no Eduardo Jorge, no Eymael e em qualquer outro que mantivesse um mínimo de decência a favor da lógica. Acho que o PT fez um governo importante em muitos aspectos. Sou capaz de admitir que mereceu um segundo mandato em 2006. Que foi importante para a história do país. Mas não posso permanecer calado ou deixar de fazer campanha contra, quando o partido e seus militantes ofendem a mim, meus pais, meus amigos, minha namorada e todos aqueles que pensam diferente. Não posso ser conivente e permanecer calado quando percebo que o preconceito contra "as maiorias" é permitido, liberado e de direito, ao ponto de se tornar absolutamente normal. Não posso concordar com o "plebe preta" causar indignação e o "elite branca" euforia àqueles que o proferem.

O mais importante que eu quero dizer é o seguinte. Eu sinto que nos últimos quatro anos o governo e seus militantes tentaram se apropriar da qualidade mais bonita do ser humano. Eles tomaram posse da compaixão. Enfatizaram um discurso de que só eles são capazes de promover a justiça social. Eu queria dizer a eles que eu também sonho com um mundo melhor, que eu também quero o fim da pobreza, que eu trabalho todos os dias também para que todos tenham mais oportunidades. Eu queria dizer que a compaixão não é propriedade do seu partido político. Ela é humana!
Queria dizer que é possível votar a favor da alternância de poder e da meritocracia; da redução da maioridade penal; do empreendedorismo; liberalismo econômico; corte de gastos públicos - e, vejam só... ser um cara do bem! Não o "demônio", como sugeriu a Revista Carta Capital. Não o "elite branca" como vocês tentaram me enfiar guela abaixo. Nem o "coxinha" que simbolicamente os uniu no direito de distribuí-lo para designar qualquer um que não entre de acordo com suas lógicas distorcidas e carregadas de fanatismo. Na lógica do PT, um cara como eu não pode sentir desejo de justiça. Um cara como eu é "incapaz" de querer justiça social, de promover igualdade. Tão surpreendente quanto isso lhes pareça... a verdade é que sou tão humano quanto vocês!

Sonho com um país onde aquele rico que permanece longe de vocês no discurso, mas que faz muito mais do que farão na vida para o que vocês chamam de justiça social, seja tão valorizado quanto aquele que nasceu pobre e que quer vencer na vida de maneira íntegra e correta. Sonho com um país onde ambos tenham as mesmas oportunidades, e seus destinos sociais sejam frutos do que fizeram para tal. Que o pobre boçal e o rico preguiçoso (e vice-versa, pois ser boçal jamais será exclusividade do rico e nem preguiçoso do pobre, como tentaram nos fazer acreditar) estejam longe do exemplo para as famílias, e que o estado não passe a mão na cabeça de nenhum dos dois.

Por fim, eu sonho com um país onde o "sulista rico e conservador que votou no Aécio" seja tão digno de espanto quanto o é o "nordestino pobre que votou na Dilma".

Sinto que deve agradecer ao PT. Antes que me acusem do agradecimento ser carregado de ironia, agradeço por acreditar que seu governo contribuiu para muitas conquistas, suficientes para eu admitir que quem vota no partido desprovido de fanatismo (e sei que são muitos!), o vota com bons argumentos. Suficiente para dizer, por mais difícil que pareça para a oposição, que em 2006 o partido mereceu a reeleição. Quero deixar bem claro que esse texto não critica o universo de pessoas que vota no PT, mas aqueles que perderam qualquer capacidade de argumentação ao destituírem a lógica e instalarem um preconceito de direito, permitido e irreconhecível por seu fanatismo ideológico.

A esses, agradeço por ter despertado em mim nacionalismo que não sabia que existia. Ao tentarem se apropriar da qualidade humana tão bonita de sentir compaixão pelos menos favorecidos e querer a redução das injustiças sociais; ao se auto-designarem como combatentes contra o preconceito, prontos a apontarem suas armas, enquanto incoerentemente distribuem "coxinhas", "elites", "brancos", "sulistas". E ao escancararem a soberba e a falta de humildade cada vez que vasculham argumentos para qualificar um governo que, naturalmente, e como qualquer outro, é cheio de erros, mas que em suas ilusões fanáticas, esses erros não passam de golpes midiáticos.

Agradeço ao PT, por ter me feito mais Brasileiro. Eu realmente não sabia o quanto gostava do meu país.

3 comentários:

  1. esse cara existe ou é inventado, fake??? gostei do 'Na voz de militantes capazes de balançarem afirmativamente a cabeça para qualquer ordem vinda de um partido que tem razão em qualquer situação.' , mas discordo de 'votar a favor (...) da redução da maioridade penal'.

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  2. qual cara é inventado, fake? Se está falando do autor do texto e do blog, ele existe.

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