segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A camiseta era preta

Este foi um fim de semana de muitos acontecimentos.
Estreei na temporada de 2013 - um 10 km na Praia do Santinho - em que tive a infeliz ideia de correr descalço, pois me achava acostumado a correr descalço na praia.

Como não dei muita importância a essa competição, não me preocupei em olhar o percurso, imaginando ser o mesmo do ano anterior - apenas praia. Qual não foi minha surpresa quando, faltando um minuto pra largada, "avisaram" da alteração, com dunas e trilhas. E não era pouca distância, creio que cerca de metade da prova foram feitas nessas condições. Bom, ninguém mandou dar uma de inexperiente e não ver o percurso.

Resultado? Fiz bolhas de sangue em todos os dedos dos pés. Dos dois pés. Salvaram-se dois dedos do pé direito. 

Aliás, isso não foi a única coisa que deu errado. Já corri meio chateado pelos 85 reais pagos na inscrição. Saudade dos tempos que corredores não se preocupavam muito com os kits - bastava uma quilometragem correta, água no final, e paixão pela corrida. Aliás, isso está se perdendo, a paixão. Talvez eu tenha apenas uma visão romântica demais da corrida. Mas sinto falta do tempo, há mais de dez anos, em que terminava as corridas ao som da música tema do filme Carruagens de Fogo, o hino de todo corredor. Esses detalhes se perderam em troca de um monte de mimos desnecessários e muito marketing. Mas isso é assunto para uma outra postagem...

Além disso a prova foi mal organizada. Atrasou a largada, as tochas de iluminação (pois a corrida foi noturna) não iluminaram direito o percurso, a chegada foi tumultuada (com dois pórticos, um deles aliás não serviu pra nada) e ainda ouvi relatos de congestionamento de corredores na trilha. Mas o pior foi o staff que estava lá para orientar os corredores, aliás em ótimo número, porém todos de camiseta preta... será que ninguém pensou que o preto, digamos, não é muito visível no escuro, sendo que a principal função era que eles estivessem justamente visíveis para orientar os corredores?

Sinto-me até mal em reclamar da premiação (terminei em terceiro), porque valorizo muito o pouco que recebo como corredor... mas digamos que foi infeliz a ideia de premiar o terceiro colocado com um creme de barbear e uma loção pós-barba.

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Mas sabem, meus amigos... foi assim que fui dormir nessa madrugada. Cheio de bolhas de sangue, reclamando da corrida, reclamando dos 85 reais.

Acordo na manhã seguinte com a notícia de uma das maiores tragédias que esse país já viu. Não apenas mais uma tragédias, como as que acontecem todo dia... mas uma que atinge jovens como eu com uma proximidade assustadora. Impossível não passar o dia pensando que poderia ter sido comigo.

Como somos pequenos por reclamar de bobagens.

Como sou pequeno por dormir injuriado por causa de bolhas, ou uma organização meia boca, ou um valor que achei caro.

Fiquei envergonhado.

E começo 2013 com uma grande lição. 

Como é bom poder acordar bem cedo, tomar um café bem forte, respirar ar puro enquanto corro e sinto meu coração e pulmões trabalhando; como é bom cair na piscina e dar aquela relaxada nadando; como é bom poder trabalhar, ter sonhos e expectativas. Como é bom poder correr até formar bolhas do mais puro sangue.

Aquela camiseta não era preta por acaso - era um sinal de luto.



4 comentários:

  1. Eu nem sei o que te dizer... Fico triste com tudo o que aconteceu e teu talento de jornalista desistente continua ali, na observação da frase que mais me tocou. Que as camisetas pretas não eram por acaso.


    Mas, aí vem a Laise pentelha e te diz.
    Não te conforme simplesmente com o fato de que não foi tu, que podes ter mais um dia para tomar café bem cedo e respirar enquanto corre.
    As tragédias podem servir para darmos um pouco mais de valor ao que temos, mas elas jamais devem servir para nos contentarmos com aquilo que está ruim.

    Que as camisetas sejam de luto, mas que seja a última vez que organização esteja de luto antes da tragédia. Porque senão o luto serpa de inteligência.

    liliescreve.blogspot.com

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    1. Valeu Lise, entendi tua mensagem, e concordo, tragédias não podem servir de mote para o contentamento. Ao mesmo tempo quando algo sério assim acontece percebo que o bom da vida está nessas coisas simples e rotineiras que por fazermos sempre, acabamos não dando o valor necessário, como tomar um café e correr. Aliás temos que combinar um café.

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  2. Olá Rafael,

    Gostei muito da sua opnião sobre a prova, realmente existe uma grande diferença entre fazer um evento e fazer bem feito.
    Em Florianópolis existem muitas provas, mas poucas são realmente bem organizadas.

    Ah eu fui pra prova como staff de camiseta preta (cor infeliz), te vi quando estavas entrando na trilha e pude gritar ''Bora Rafa''.
    Parabéns pelo resultado e adoro deu blog.

    Abraço,
    Yara

    http://vaisualinda.wordpress.br

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    1. Obrigado Yara, fico muito feliz por gostares do meu blog e por ajudar de staff na prova, sempre importante! Ouvi mesmo alguém gritando "bora Rafa", valeu mesmo pela força!

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