sexta-feira, 26 de outubro de 2012

E eu escolho sobreviver

Esse ano tive a chance de realizar um grande sonho e ser espectador das Olimpíadas de Londres.

Por todos os lugares que passava, duas músicas embalavam a trilha sonora olímpica.

A oficial dos jogos, Survival, da fantástica banda Muse (vídeo oficial dos jogos abaixo).


E a clássica Heroes, de David Bowie (versão ao vivo abaixo).



Os Jogos Olímpicos deixaram lembranças enormes, e nesse período duro de treinamento, há menos de duas semanas dos Jogos Abertos, tenho treinado embalado principalmente por essas duas canções motivantes.

Os treinos têm sido focados no desenvolvimento do potencial lático, o que significa que tenho treinado próximo do limite. Tonturas e sensações de vômito fazem parte dos treinos intervalados.

Meu limite hoje está longe do limite que quero atingir um dia. Mas a essência do atletismo de alto rendimento está aí. Treinar dando o seu melhor, não importa o quão ruim ele seja, ou o quão longe do atleta x você se encontre.

Segunda-feira completei um treino muito difícil. Inicio com um tiro de 1.000m praticamente máximo, descanso 5 minutos, e depois inicio a série principal. São mais cinco tiros de 1.000m com intervalo de 3 minutos. O problema é que, ao forçar quase ao 100% no primeiro tiro, o ácido lático vai nas alturas, e quando inicio a série principal, as pernas estão extremamente pesadas. Inicia-se uma luta pela sobrevivência. São só cinco - mas será que conseguirei chegar no próximo?

E aí me lembro de Survival - "and I choose to survive, whatever it takes, I'll keep up the pace"
E isso de alguma forma me faz pensar, já em outra dimensão devido ao esgotamento, que sobreviver depende muito da escolha que faço naquele momento que parece que não dá mais. E se der? Quase sempre dá. Escolho sobreviver, e sobrevivo. Ao final do quarto tiro de 1,000m, estava esgotado, negociando com o corpo mais um, quem sabe pela metade. Fui agraciado com uma chuva recompensadora, uma verdadeira tempestade, que renovou meus ânimos e assim pude terminar, feliz e muito vivo.

Primeiro tiro de 1,000m 

Caído ao final do treino após mais uma batalha vencida.

Quase sempre sobrevivo. Isso significa que às vezes não sobrevivo nem com a escolha em sobreviver. Isso porque um atleta também deve manter um mínimo de sanidade e saber quando realmente não dá mais, para evitar lesões, overtraining e outros problemas.

Foi o que aconteceu quarta, no terrível treino da pirâmide invertida.

Um tiro de 1,000m.
Um tiro de 800m.
Um tiro de 600m. 
Um tiro de 400m.

E a pirâmida volta pra cima:

Mais um tiro de 600m.
Mais um tiro de 800m.
Mais um tiro de 1.000m.

Na primeira série, com a "pirâmide descendo", as distâncias ficam menores, mas os intervalos entre cada tiro também ficam mais curtos e a velocidade aumenta, muito pouco, mas qualquer detalhe aqui faz muita diferença.

E quando inicia a segunda série, agora subindo, começa a luta pela sobrevivência e um tiro de 800m parece interminável.

Pois bem, nessa quarta eu pedi água no tiro de 800m. Faltou só um tiro de 1000m, mas a verdade é que eu não aguentava mais. É claro que tenho essa sensação outras vezes em que acabo aguentando, por isso é muito difícil definir: quando é um 'não aguento mais' que de fato não aguento? A linha é muito tênue.

Posso dizer que a sensação pós-treino de segunda é muito melhor que a de quarta. Não conseguir terminar o previsto dá uma sensação de impotência complicada de lidar.

E se a canção do Muse não funciona nessas horas, posso lembrar, pelo menos de maneira reconfortante, da canção de Bowie.

We can be heroes, just for one day.

E meu dia não chegou ainda.





3 comentários:

  1. E aí Rafael, primeira vez por aqui (comentando), parabéns pelo blog e pela dedicação no esporte "alto rendimento". Interessante ver o sofrimento nos treinos, mostrando que não é brincadeira !!!

    Eu treino com seriedade, mas no amadorismo mesmo, três anos de corrida, tentando agora no dia 4.11 um para mim formidável sub 40min nos 10k.

    Abraços, sucesso.
    corridaderuams.blogspot.com.br (passe lá tbm)

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  2. Não fala isso jamais, que o seu dia não chegou.
    Todos os dias podes ser herói, e heróis nem sempre ganham as batalhas. Heróis são aqueles que sabem melhor lidar com as derrotas para que não os permita tornar um perdedor, mas um vencedor nas próximas tentativas (não importan quanto tarde).

    Lise

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  3. Grande Rafa... um dia você me disse uma frase que me inspira até hoje, não lembro exatamente cada palavra, mas lembro da essência dela:

    Não somos atletas profissionais, estamos longe de ser, e estamos longe dos grandes, mas se um dia eu puder chegar mais próximo deles, mesmo que tenha que "morrer" tentando, então acho que hoje é um bom dia para morrer!

    Bom final de semana pra você meu amigo, abraço!

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